"QUE MEUS SEGUIDORES SEJAM POUCOS E SECRETOS. ELES GOVERNARÃO OS MUITOS E CONHECIDOS."

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A MORTE DO METAL



A MORTE DO METAL

“A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.”
( MARX, K. 18 Brumário de Louis Bonaparte, 1852)

            Alguns artigos já foram escritos sobre os rumos que o Metal  (usando aqui a metonímia para nos referirmos a toda uma corrente sócio-cultural-musical )tem e vem adquirindo nos últimos anos.  Alguns artigos enxergaram o Heavy metal como uma música que ficou presa ao passado, sendo suas novas manifestações musicais um eterno bis in idem, de outras bandas e estilos já definidos e consolidados.  Entre as inúmeras explicações para a inércia desta corrente musical, que entre outras coisas, já foi comparada a música clássica pela sua estagnação temporal, estão a de que nada de novo se produziu na cena metálica nos últimos anos e que a “cena” estaria dominada pelos eternos saudosistas do “quanto mais velho melhor”. Não obstante estas explicações, que em sua unilateralidade tem sua parcela de verdade,  parece-nos que o cerne da questão ainda não foi abordado. Talvez porque a sua reflexão seja por demais dolorosa para aqueles, que como eu, amem incomensuravelmente esse estilo musical.
            O fato é que o metal não ficou preso ao passado como querem alguns, mas, simplesmente MORREU. E esta morte, além de ser de morte morrida, não é nova, pois, tem mais de 20 anos. Tendo o cadáver inclusive já decomposto e sendo sua alma um cascão astral em decomposição (utilizando aqui uma metáfora metafísica). É normal que uma afirmação tão taxativa como essa, provoque indignações  nos mais sectários  e estes  ergam seus punhos em riste e protestem antes de chegarem ao fim da leitura destas palavras. Pois, como dissemos, esta é por demais uma afirmação dolorosa e que foge da falácia social do politicamente correto, onde tudo tem que ser bom, perfeito, bonito e isonômico. O fato é que pelas nossas contas, sua morte deu-se por voltas de 1994. Os que viveram esta época com certeza se lembrarão do que estamos falando e do vazio e desilusão que se abateu sobre o Metal no período, sem que ninguém explicasse ou mesmo se apercebesse  o que estava acontecendo. Apenas sentindos algo que não era palpável, pouco atento a sinais que muitas vezes passavam despercebidos, como o desaparecimento de fanzines, fim dos discos de vinil e fita K-7, troca de cartas e materiais, divulgação de release e flyers, a transformação de revistas especializadas em baboseiras para adolescentes cabeças-oca e principalmente a metamorfização das bandas, que as dezenas corriam desesperadamente em busca de outros estilos, que dessem uma nova roupagem a sua musicalidade. Seguindo a máxima do quanto mais “eclético” melhor. Assim, contamos inúmeras bandas que aderiram a outros estilos musicais e os incorporaram ao Heavy Metal como forma de sair da mesmice que a cena encontrava-se. Como um balão de oxigênio retardando a vida de um moribundo. Não sabendo elas ( nem nós mesmos ) que o moribundo já havia a muito morrido. Se aproveitarmos os exemplos acima, para fazermos um recorte temporal e nos  transportarmos ao período, iremos nos perceber do imenso vazio que nos dominou e dos tantos amigos que perdemos e das outras tantas bandas que desapareceram. As causas desta “tragédia anunciada” é o que tentaremos mostrar nas linhas adiante.
            Uma das argumentações que escuto contra o fim do Metal é de que a MÚSICA Metal se encontra viva até hoje e que ainda se produzem discos dos anos 70, 80, inclusive para novos compradores. Bem! Isso é uma verdade! Como também ainda escutamos músicas de Mozart, Bach e Beethoven, que foram escritas a 300 anos atrás e que hoje ganham formato em CD, blue-Ray, etc. Sendo igualmente consumido por uma grande legião de pessoas, inclusive algumas bem novas. Como ainda tem pessoas que compram e escutam músicas dos anos 50 ou da década de 60. O fato é que preliminarmente, precisamos fazer um distinção entre Metal música x Metal estilo de vida. O Metal música esta ai, ela existe e está imortalizada em todo CD comprado ou lançado, como assim também está, a música de Chopin. No entanto o metal como ESTILO DE VIDA, como movimento, filosofia  e que era muitas vezes descrito simplesmente, como UNDERGROUND, não existe mais. E sem underground não existe Metal ( aqui entendido como metal estilo de vida – modus vivendi ). Se esta distinção supra citada não lhe convenceu, lembre-se então do que era ter cabelos compridos nos anos 80 e o que ele representava. O que era ter uma camisa preta de banda  e usá-la por baixo da farda da escola para não tirá-la “nem a pau”. Lembre-se o que era ter tatuagem, sair de casa com basqueteira, calça colada e jaqueta de couro ao sol do meio dia. Como as pessoas olhavam para você com sua jaqueta de patches e as meninas que corriam de você porque você era o “diferente” da escola.  Ao relembrar este período, você certamente sentiu toda a rejeição que a sociedade oitentista lhe dispensava. A frustação que carregávamos por pertencermos a “década perdida”, de pessimismo, estagnação econômica e crise ideológica. E após sentir toda aquela frustração, eu pergunto: Qual era a nossa salvação? O que nos confortava e nos tirava daquela angústia púbere de conflitos sociais, familiares e existenciais? A resposta só pode ser O METAL, é claro. Só quem viveu o metal dos anos 80/90, sabe que o metal era a válvula de escape, a afirmação social, o conforto que nos faltava por sermos considerados párias pelos que nos cercavam e por isso mesmo, voltávamos para nós. Para dentro de nossos círculos através de irmandades e amizades herméticas. Que ao nos voltarmos para nossa própria cultura e identidade, com nossos códigos sociais próprios, conseguimos suportar o peso da adolescência então. Que escutar nossa música barulhenta era gritar para a sociedade e nos afirmarmos como pessoas com vozes ativas. Que ir para um show precário era passar a semana preparando a vestimenta ( quanto mais detonada melhor), se entupir de álcool , rever os amigos e principalmente escutar as bandas de nossa cidade tocando como se fossem os maiores músicos do mundo, em uma aparelhagem decadente, mas que as nossos ouvidos era o som do Olímpio. Se você não sabe o que é isto, feche a página. Você jamais saberá o que estou falando.
            Era essa rejeição que nos tornava diferente dos outros. E era essa diferenciação que nos irmanava ou nos hostilizava visceralmente por alguma questão fútil da máxima gravidade, como por exemplo qual o melhor disco do Slayer. Era ter a fita K-7 com a banda que ninguém conhecia e que só era passada ao melhor amigo sob juras de não passar a ninguém, como uma maçonaria sonora. Era passar tardes em loja de disco para ver se algum disco novo chegava e ser o primeiro a ter seu som ou ver sua capa. Guardando os trocados do lanche para comprar uma fita cassete.     Essa maneira de viver, é o que o filósofo alemão Hegel chama de espírito da época – ZEITGEIST. Acredito que o metal era antes de qualquer manifestação musical uma manifestação de comportamento com elementos culturais próprios desta época e que reforçavam sua identidade. Por isso, é inevitável que quando veja a nova geração de “metal head” com coletes de patch, tocando música oitentista e se referindo a sua música ou preferências musicais como “old school” me venha a cabeça a frase de Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.” Mais do que anacronismo, isso é a mesma coisa que uma pessoa andar com fraques e trajes de 1700 nos dias de hoje, só porque escuta Mozart.
            Outro fator responsável pela  morte do metal sem dúvida, foi a revolução tecnológica dos anos 90, consubstanciada a partir do NAPSTER. Sem dúvida nenhuma, os avanços advindos desta revolução tecnológica foram fantásticos e não há que não quem se renda as comodidades que a vida pós internet possa oferecer. Ter todas as bandas do mundo de dentro de  sua casa a partir de seu computador é a coisa mais fantástica, desde a invenção da imprensa por Gutemberg. Porém, não obstante tal fato, sem levar em conta outros aspectos com por exemplo, a morte da cultura pela falta de mercado. A era digital soterrou um dos alicerces do Heavy Metal – O underground. Obviamente gosto de ir para shows bem produzidos, tocar em boas aparelhagens, comprar material pela internet, baixar músicas, etc. Mas tudo isso faço ciente de que o que existe ali na verdade, é apenas a música. Apenas o corpo, a alma já se foi. Aqueles que como eu, ainda vestem camisas de banda e vão para shows baterem cabeças, são como os atuais hippies. Ou seja, vivem em um mundo que não existem e ainda perpetuam esta maneira de ser/vestir - Talvez por resquício de uma cultura onde foram formados. Em contrapartida, os novos metalheads ( eu prefiro ser chamado de metaleiro) serão apenas uma imitação de outros tempos, sem entenderem muito bem o que uma camisa preta representa. Não que eles não gostem da música, com certeza gostam, mas se resumem apenas a isto... música. Baixar músicas pela internet é uma das melhores coisas do mundo, mas não será como trocar tapes pela ‘sound riot’ ou receber cartas com demo-tapes. Com isso, pode parecer que façamos apologia a morte do metal e que o presente com seus novos fãs e bandas não nos interessem. Pelo contrario. Que venham novas bandas e novos seguidores. Que velhas bandas voltem a ativa atraídas pelo mercado promissor. Mas essas novas manifestações jamais farão parte do Metal movimento cultural, mas de uma cultura de música extrema, que poderá ser executada em um show para poucas pessoas ou virar trilha sonora de alguma novela através de uma explosão midiática de algum site de relacionamento obtido de inúmeros “likes”.
            Ao falar sobre a morte do metal, vejo apenas algumas viúvas. Umas velhas como eu, que vivem de saudosismo. Fantasiando uma época que não existe mais e arrastando atrás de si como um corpo decrépito. Outras novas, que não se aperceberam ainda da morte do de cujos e que caminham com ele de mãos dadas dando-lhe novos nomes.  O METAL nasceu, teve seu apogeu e como tudo que nasce, morre. Não há demérito nisso. Se sua música ecoa nos dias de hoje sob novas ou velhas bandeiras que reverbere, saibamos apreciar. Se seus novos seguidores acham a coisa mais natural do mundo ir de Burzum a Avenged alguma coisa com um click, sejamos sensatos para respeitarmos essa realidade. Mas não me venha dizer que esta época é a perpetuação do METAL, pois serei obrigado a recitar mais uma vez a frase de Marx.


Sávio Diomedes Paiva Diniz (Hellhammer) é guitarrista da banda de Black Metal LORD BLASPHEMATE.  - e já viu a ascensão e declínio do Império Romano.

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